David Robson
Cientistas elencam os traços que nos fazem únicos no mundo |
Em uma galeria de arte da cidade australiana de Brisbane, um
curioso grupo espera ansiosamente sua vez de apreciar quadros de Picasso ou
Monet -- trata-se de um enxame de abelhas.
Não que
elas consigam distinguir os traços
cubistas ou paisagens ligeiramente desfocadas. Afinal, são criaturas cujos cérebros
são menores do que uma cabeça de alfinete. Mas, devidamente
treinadas, elas podem distinguir entre os dois artistas através de diferentes misturas açucaradas que pesquisadores colocaram
por trás dos quadros.
Essa capacidade de "reconhecer" um estilo artístico é apenas
uma em uma longa lista de feitos incríveis
desses insetos. Abelhas podem contar até
quatro, são capazes de "ler"
sinais complexos, aprendem pela observação e
conversam entre si usando um código
secreto (a "dança das
abelhas").
Quando buscam por alimentos, as abelhas conseguem medir a
distância até diferentes flores e planejam suas
rotas para colher o máximo
possível de néctar com o mínimo esforço.
Dentro da colmeia, são
responsáveis por tarefas, como
limpar, cuidar dos mortos e até
resfriar o ar, já que coletam água para refrescar o local nos dias
de calor.
O cérebro
humano tem quase 100 mil vezes mais neurônios do
que o das abelhas. Mas a base de muitos de nossos comportamentos mais valorizados
pode ser observada nas atividades conjuntas de uma colmeia.
Por que, então,
temos tanta massa cinzenta em nosso crânio? No
que isso nos diferencia dos outros animais?
Memória e empatia
Cerca de 20% de tudo o que comemos é usado para fornecer energia para as trocas elétricas entre os 100 bilhões de células
cinzentas que temos no organismo. Se um cérebro
grande não nos trouxesse vantagens,
seria um enorme desperdício.
E há alguns
benefícios evidentes. O primeiro
deles é o fato de nos tornar mais
eficientes nas atividades que garantem nossa sobrevivência.
Enquanto as abelhas precisam considerar cada objeto
isoladamente, para medir as distâncias,
outros animais têm a capacidade cerebral de
processar tudo de uma só vez.
Ou seja, podemos realizar várias tarefas
ao mesmo tempo.
Um cérebro
maior também aumenta a quantidade de
informações que podemos memorizar.
Uma abelha só consegue fazer um punhado de
associações indicando a presença de alimento, enquanto um pombo pode
aprender a reconhecer mais de 1,8 mil imagens -- e isso não é nada,
se comparado ao conhecimento humano.
E, claro, se olharmos tudo o que a civilização humana já conquistou ao longo de sua história, podemos concluir que temos alguma habilidade
particularmente especial que falta em outros animais.
Cultura, tecnologia, altruísmo e
muitas outras qualidades já foram
apontadas como sinais da grandiosidade humana. Mas quanto mais observarmos,
mais curta fica essa lista.
Os macacos, por exemplo, são
capazes de usar pedras para quebrar a casca de nozes, enquanto corvos podem
"fabricar" um gancho a partir de um graveto para apanhar comida.
Até mesmo
seres invertebrados têm sua
inteligência. Alguns polvos podem
recolher cascas de coco no mar para usá-las
como abrigo.
Enquanto isso, uma fêmea de
chimpanzé na Zâmbia foi flagrada usando na orelha um pequeno amontoado de
capim -- apenas porque ela achou que era algo bonito. Logo depois, outras fêmeas do grupo passaram a copiá-la, usando esse adorno que, para
alguns pesquisadores, representa uma forma de expressão cultural.
Muitos seres também
parecem ter um sentido natural de justiça, e
podem até sentir empatia por outros, o
que sugere uma vida emocional rica e que até pouco
tempo atrás achávamos que era exclusiva do homem. Basta ver o caso de uma
baleia cachalote que recentemente foi vista salvando uma foca de um ataque de
orcas.
E a consciência?
Talvez a resposta esteja na "noção de si mesmo", ou na habilidade de um ser vivo de
se reconhecer como um indivíduo.
Esse "olhar para o próprio
umbigo" é uma forma rudimentar de
consciência.
De todas as qualidades que podem nos tornar únicos, essa autoconsciência é a mais
difícil de medir com certeza. Um teste
simples pode identificar essa capacidade: fazer uma mancha de tinta no rosto do
animal e depois colocá-lo na
frente do espelho; se ele percebe a marca e tenta esfregá-la, é possível crer que ele reconhece seu
reflexo, o que sugere que ele formou algum tipo de conceito de si mesmo.
O ser humano só
desenvolve essa capacidade a partir dos 18 meses de idade. Mas alguns animais
demonstraram ter esse tipo de autoconsciência,
como bonobos, chimpanzés,
orangotangos, gorilas, pegas, golfinhos e orcas.
Afinal, somos ou não
especiais? Temos, sim, algumas habilidades que nenhum outro animal tem, e a
melhor maneira de enxergar isso é pensar
na conversa entre uma família na
hora do jantar.
A primeira é o
simples fato de podermos falar. Não
importa quais as experiências
que você teve ao longo do dia, é possível
encontrar palavras para expressar seus sentimentos e descrever acontecimentos
para outras pessoas. Nenhum outro animal consegue se comunicar com tanta
facilidade. E mesmo se não
pudermos encontrar a melhor palavra para definir algo, podemos inventar uma.
O mais notável, no
entanto, é que a maior parte de nossas
conversas revolvem em torno do passado ou do futuro.
Além da
memória "semântica", que nos permite lembrar dos fatos, temos também uma memória "episódica"
-- a capacidade de reviver eventos do passado mentalmente, retratando-os com
detalhes multissensoriais. É a
diferença entre saber que Paris é a capital da França e ser capaz de lembrar do que viu e
ouviu quando visitou o Museu do Louvre pela primeira vez.
E essa capacidade de pensar no passado também nos permite imaginar o futuro, pois
nos baseamos em experiências
para prever o que pode acontecer.
Nenhum outro animal parece ter uma memória pessoal tão elaborada, combinada com a capacidade de planejar várias ações com
antecedência. Até mesmo as abelhas, com suas complexas
tarefas no lar, provavelmente só estão reagindo às circunstâncias
presentes.
Assim como a linguagem, a capacidade de "viajar no
tempo" com a mente nos permite compartilhar experiências e expectativas com outras pessoas, construindo redes
de conhecimento que se expandem a cada nova geração. Ciência, arquitetura, tecnologia,
escrita -- ou seja, tudo o que permite que você leia
este texto -- seriam impossíveis
sem isso.
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