Neste espírito universal de confraternização as visões excludentes não deveriam ter lugar. Frases como “Só Jesus salva” ou como a que li dias atrás nesta Folha “Sem a passagem de Jesus a raça humana seguiria em progressiva decadência” servem mais para afastar as pessoas que uni-las em um mesmo ideal solidário. De acordo com as estatísticas, o nascimento, vida e mensagem de Jesus são irrelevantes ou mesmo desconhecidas para aproximadamente 70% da população mundial. Esses não se salvam? São eles produto da “progressiva decadência”? Como reagiriam os cristãos a frases como “Só Oxum salva” ou “Sem a passagem de Maomé a raça humana seguiria em progressiva decadência”? Provavelmente ficariam ofendidos. Então, para que ofender os outros? Prever e sentir o que os outros sentiriam caso fizéssemos ou disséssemos alguma coisa é um mecanismo natural, base da empatia, que devemos sempre exercitar. Ateus e crentes.
Sempre pensei em um texto que nestas festas permitisse uma reflexão sobre a necessidade de aproximar as pessoas em vez de afastá-las. Que respeitasse todos os credos, diferenças e opções. E sempre me vem à cabeça um decálogo compilado por Richard Dawkins com o intuito de substituir a dureza draconiana dos mandamentos bíblicos. Já o publiquei anteriormente, mas vale a pena trazê-lo de volta:
1- Não faça aos outros o que não quer que façam com você;
2- Em todas as coisas, faça de tudo para não provocar o mal;
3- Trate os outros seres humanos, as outras criaturas e o mundo em geral com amor, honestidade, fidelidade e respeito;
4- Não ignore o mal nem evite administrar a justiça, mas sempre esteja disposto a perdoar erros que tenham sido reconhecidos por livre e espontânea vontade e lamentados com honestidade;
5- Viva a vida com um sentimento de alegria e deslumbramento;
6- Sempre tente aprender algo de novo;
7- Ponha todas as coisas à prova; sempre compare suas ideias com os fatos, e esteja disposto a descartar mesmo a crença mais cara se ela não se adequar a eles;
8- Jamais se autocensure ou fuja da dissidência; sempre respeite o direito dos outros de discordar de você;
9- Crie opiniões independentes com base em seu próprio raciocínio e em sua experiência; não se permita ser dirigido pelos outros;
10- Questione tudo.
Este decálogo parece reunir o melhor do pensamento religioso junto com a visão humanista e questionadora que a cultura da ciência proporciona. Ninguém precisa abrir mão da sua fé para adotá-lo, nem impô-lo aos demais. E dentro do mesmo espírito de respeito e tolerância, cada um de nós pode acrescentar alguma coisa que nos resulte importante.
Para finalizar, a saúde da humanidade e do planeta onde ela vive depende da compreensão de sermos um único clã de sete bilhões, navegando num pálido e insignificante ponto azul num canto qualquer de um universo incompreensivelmente vasto. Temos que nos ajudar. Ninguém virá nos salvar a não ser nós mesmos.
Bom natal, ou bom dia da família, tanto faz, um abraço fraterno e até 2016, 2017, 2018...!
Fonte: El fenómeno de la laicidad como elemento identitario. El caso uruguayo. Néstor da Costa.
Civitas - Revista de Ciências Sociais, Vol. 11, No 2 (2011),
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