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quarta-feira, 4 de junho de 2014

O HOMEM DA BATINA PRETA



Por

Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT



Caríssimos católicos!

Hoje, comento o recorte do vídeo mais perverso que já vi na rede. Seu título: “Como emburrecer alunos seguindo técnica de Antônio Gramsci”.

Embora esse material circule no Youtube há algum tempo, só agora o conheci. Durante uma aula, depois que comentei uma citação sobre Gramsci, um acadêmico lembrou-se de ter visto esse vídeo. Como o seu conteúdo não conferia com o que eu expusera, pediu-me licença para me enviar o material. Eis a análise que faço.

O cenário é um auditório. Na cena, duas personagens: uma estátua de N. Sra. e um padre de batina (PB). Mesmo muda, a estátua – um signo não-verbal – confere Discurso de Autoridade ao PB.

Por conta de indicações no discurso verbal e dos risos provocados pelo PB, percebe-se que, no local, há seminaristas em curso de formação.

O PB – que tem razoáveis técnicas de oratória, mas peca no conteúdo – trata da formação (conservadora ou “revolucionária”) dos seminaristas.

Na essência, o PB se opõe – embora sem consciência teórica correta – às práticas da pós-modernidade; por isso, há fragmentos expostos por ele com os quais não divirjo.

O PB afirma, p. ex., que caminhamos para a “lenta imbecilização de uma nação”; que “nas universidades já há analfabetos”.

Todavia, o PB peca – mentindo sem pejo – quando identifica os pensadores Marx e Gramsci como responsáveis por esse panorama.

Em alguns momentos, o PB diz que o ensino está destruído, pois “os professores, ao invés de ensinar suas matérias, ficam impondo as cartilhas marxistas”.

Antes fosse!

Para o PB, “Marx e Gramsci são anti-intelectualistas; não querem que os alunos aprendam nada”.

Mentira.

Marx e Gramsci escreveram e lutaram para que os trabalhadores tivessem os mesmos direitos reservados aos das elites.

Em particular, Gramsci acreditava que a tomada do poder só se daria se fosse precedida por mudanças de mentalidade; e os principais agentes dessas mudanças seriam os intelectuais e a escola. Esta deveria provocar a elevação cultural das massas: livrá-las de preconceitos e tabus. Uma vez elevadas, as massas poderiam disputar a hegemonia do poder.

Mas como elevá-las culturalmente?

Para Gramsci, só oferecendo os códigos da classe dominante a todos os trabalhadores: “ler e escrever (na língua padrão), fazer contas, conhecer os conceitos científicos, além de seus direitos e deveres de cidadão”.

Contrapondo-se à reforma de Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional, “completo”, e aos pobres uma escola para a mera formação profissional (se fosse hoje, do tipo Senai/SESI), Gramsci defendeu a manutenção de “uma escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa”.

Gramsci acreditava que só esse tipo de formação possibilitaria a percepção da cidadania. Essa visão de mundo substituiria o “senso comum”, ou seja, “conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos fomentados pela religião e pelo folclore”.

Eis um dos motivos do ódio de muita gente contra ensinamentos marxistas/gramscianos, que, na essência, só querem igualdade social.

Que pecado há nisso?

Nenhum.

O pecado reside na cabeça maldosa de um “enviado de Deus” vestido de batina preta.

Sem vergonha, descumprindo o 8º mandamento (“Não dirás falso testemunho nem mentirás”), ele mente perante os seminaristas. Esquece que “Quem mente se engana a si mesmo e ilude os outros, os quais têm o direito a conhecer a verdade integral de um fato” (in: site da Canção Nova).

Sem receios, na cara dura, a criatura ainda encara a câmera que o filma. Sua figura é asquerosa; é nociva.


Veja o vídeo em questão:

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