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domingo, 22 de junho de 2014

Crônica da violência

O Estado de Mato Grosso está mal na possibilidade de enfrentamento ampliado da violência contra a mulher. Basta começar pela constatação de que não há locação de investimentos públicos específicos nas três principais Secretarias responsáveis (Segurança Pública e Justiça, Assistência Social e Saúde) e nos Municípios. Verificam-se ações pontuais e genéricas pontuadas. Não existem rubricas, recursos específicos, tanto no Governo estadual quanto nos Municípios para prevenir e atuar contra a violência contra as mulheres. Agressões, estupros, impunidade, turismo sexual, crescem assustadoramente. No setor saúde, tudo está diluído em Atenção Primária e Hospitalar, podendo ser custeadas difusamente na chamada média e alta complexidade. O Hospital Universitário da UFMT é a referência credenciada para atendimento da violência sexual.

Infelizmente, com um serviço paupérrimo (na contramão da sua qualificada atenção) conforme constatei mais uma vez em acompanhamento recente de uma estudante estuprada. Na delegacia especializada, a espera foi cerca de uma hora, chamando, batendo, e enfim, gritando para ver se alguém atendia, pois os portões estavam fechados e as luzes acesas. Apesar do informe de que é plantão de 24 horas Um investigador atendeu, abriu as portas e chamou uma comissária que veio algum tempo depois. Ou seja, estavam de plantão. Ela insistia em atender no outro dia, foi contestada, até que a mesma resolveu fazer o Boletim de Ocorrência. O agressor continua em liberdade, apesar de identificado e localizado imediatamente. Parece que era caso de prisão em flagrante, mas o delegado disse no outro dia, que ele não iria “arriscar cometer abuso de autoridade”. O HU da UFMT não deveria aceitar esta incumbência sem o necessário aporte logístico, financeiro e de recursos humanos treinados para estas demandas. É negativo, vez que é o melhor hospital de Mato Grosso em acolhimento e qualidade no atendimento.  Frente ao inevitável e grave trauma psíquico, o atendimento psicológico conta apenas com uma profissional, que dificilmente está disponível. Vítima, familiares e amigos esperaram nos corredores por cinco horas, avisados que precisariam esperar sair os resultados dos exames laboratoriais, apesar de que o protocolo da conduta médica não condicionava isto às medidas de emergência, inclusive terapêutico-preventivas. A residente, desorientada, adotou medidas só após o questionamento de um professor que lá chegou para dar apoio a vítima. Indignou-se com o tempo de espera e a falta de previsão para a conclusão dos exames laboratoriais, condição apresentada par a liberação da vítima, pior, porque não havia previsão para conclusão e liberação dos laudos laboratoriais. Após esta intervenção, em 30 minutos a médica retornou dizendo que ia aplicar alguns procedimentos e que então a vítima estaria liberada.  Dessa forma, não seria necessário o resultado laboratorial. No IML, o médico de plantão examinou superficialmente. Quando questionado após liberação da vítima, afirmou uma “perola de machismo e ignorância” após argumentos e contra-argumentos, para encerrar: “ que ademais, a vítima não era mais virgem”. Como se a “perda” de virgindade autorizasse estupros. Nada a ver com sua autonomia de conduta médica, mas com a falta de rigor e conhecimento ampliado do problema. Claro, não resume-se a uma questão médica pontual. É preciso entender o mínimo dos condicionantes de problemas ali apresentados.
Muitas são as formas de opressão contra as mulheres: violência doméstica, mercantilização do corpo da mulher, (polemica, a legalização da prostituição poderá colocar os cafetões oficialmente usando corpo e sexo como mercadoria), duplas e triplas jornadas, assédio moral e sexual no trabalho, desigualdade na oportunidade de trabalhos, aliada a menor salário para as mulheres nas mesmas funções, ameaças de demissão, e tantas outras formas. O Brasil é o sétimo país que mais mata mulheres entre 84 que compõem o ranking da Organização Mundial de Saúde. Anualmente, mais de trezentas mil mulheres vítimas de violação sexual. A cada 5 minutos uma mulher é violentada. O “requentamento” do disque 100 para 180 (denúncias), amplia canal sim, mas, qual estrutura é oferecida pelos poderes públicos?  Como implementar e ampliar de fato a ação da Lei Maria da Penha? 


Debate de ideias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT   - ADUFMAT - nº 107/2014

Artigo enviado pelo Prof. Waldir Bertulio

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