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sexta-feira, 25 de abril de 2014

É preciso aguentar

Como é que se esquece alguém que se ama?

Como é que se esquece alguém que se ama?
Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver?
Quando alguém se vai embora de repente, como é que se faz para ficar?
Quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? 
As pessoas têm de mudar; os amores de acabar.
As pessoas têm de partir, os lugares têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar.
Sim, mas como se faz?
Como se esquece?
Devagar.
É preciso esquecer devagar.
Ou não esquecer.
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre.
Podem pôr-se processos e ações de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores lutas, mas não se pode despejar de repente.
Elas não saem de lá.
Estúpidas!
É preciso aguentar.
Ninguém está preparado para isso, mas é preciso aguentar.
A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente.
É preciso paciência.
O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada.
Ninguém aguenta a dor.
De cabeça ou do coração.
Ninguém aguenta estar triste.
Ninguém aguenta estar sozinho.
Tomam-se conselhos e comprimidos.
Procuram-se escapes e alternativas.
Mas a tristeza só há de passar entristecendo-se.
Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo.
A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída.
É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 
É preciso aceitar esta mágoa, que nos despedaça o coração e que nos mói.
É preciso aceitar o amor e a separação, e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.
Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. 
Não adianta fugir. Pra onde?
Muitas vezes nem há pra onde.
Não há remédio. Nem injeção. Nem solução. Nem conhecimento certo da doença de que se padece.
Muitas vezes só existem os efeitos colaterais. 
Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar.
Fica tudo à nossa espera.
Acumula-se tudo na alma, fica tudo desarrumado. 
O esquecimento não tem arte. Faz parte.
Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em compadecidas lembranças dobradas. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.



Por Jefferson L. Oliveira, em adaptação ao texto de Miguel Esteves Cardoso.

Um comentário:

  1. AMEI só quem ama de verdade e dedicou incondicionalmente uma vida inteira (no caso aos filhos)sabe o que essas palavras significam.
    DÓI MUITO.
    Porém temos que aguentar e passar por isso.
    Te amo.

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