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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Nós nos enganamos a nós mesmos e tudo continua como está.

Para apresentar os argumentos vou procurar desenvolver o exemplo de um setor específico, que na verdade se aplica a todos os setores, isto é, para a economia como um todo.
No mundo e no Brasil o setor automobilístico tem uma capacidade produtiva muito maior do que a demanda existente por automóveis. Neste caso a demanda se refere a pessoas que querem e podem comprar um automóvel, não que gostariam.
Como em qualquer setor, também no setor automobilístico as empresas têm condições competitivas diferenciadas. As empresas que tem vantagens competitivas conseguem vender seus automóveis sem grandes dificuldades e podem operar com plena capacidade produtiva. As empresas que não têm vantagens competitivas, já têm mais dificuldades de valorização do capital e seguramente operarão com capacidade ociosa. Por fim, as que têm desvantagens competitivas têm grandes dificuldades para vender seus automóveis em condições de garantir a valorização do capital (lucro) e operam com capacidade ociosa como regra.
Mesmo já tendo automóveis em excesso (esta é a regra, mas pode haver exceções em algum momento) todas as empresas precisam investir mais. A pergunta é por quê? Pois isso parece irracional. Por que investir mais se já se produz automóvel em excesso? O problema é que é irracional sob a ótica coletiva ou da sociedade como um todo, mas para as empresas individualmente é uma questão de sobrevivência.
Quem tem vantagens competitivas investe para mantê-la. Quem tem desvantagem competitiva investe para tentar reverte à situação. Nem sempre isto é possível e são fechadas, adquiridas ou se faz fusões antes da falência completa e, neste processo geralmente o objetivo é adquirir a marca e os clientes da empresa em dificuldades, pois a estrutura produtiva não é atraente.


Como se manter competitivo exige um elevado montante de recursos, estas empresas não tem capital suficiente e por isso a maior parte delas emprestam recursos de terceiros para viabilizar os investimentos necessários, ou dos bancos (endividamento) ou lançam ações em caso de sociedades anônimas (arrumando sócios).
Portanto, no setor a capacidade produtiva já é excessiva, mas as dificuldades de valorização de todo o capital no processo produtivo do setor (produzindo e vendendo automóveis) leva a competição. Por uma questão de sobrevivência, a competição leva a necessidade de ser competitivo, o que exige elevados investimentos e, portanto, recursos, para geralmente criar uma estrutura produtiva ainda maior.
A dificuldade de valorização do capital (portanto ele não é escasso, pois se fosse escasso não haveria dificuldade de valorização) leva a necessidade constante de criação de novas necessidades, influenciando os gostos e os hábitos dos consumidores ou inovando de todas as formas possíveis. Estes são mecanismos anticrise de valorização do capital.
Ex. quando uma empresa lança o mesmo automóvel com um design diferente, você olha para o seu velho (de 2 ou 3 anos) e o acha muito feio, o novo é muito mais bonito. Se não for assim, o objetivo do novo projeto não é atingido e se torna um fracasso. É por isso que você tem a necessidade de trocar o celular todo ano, sem realmente precisar fazê-lo, você está sendo influenciado, levado ao consumismo, a descartabilidade e a instantaneidade, o que é absolutamente necessário para valorizar o capital existente dentro do ponto de vista das empresas de forma individual, evitando crises. Como sabemos, os governos fazem tudo para evitar estas crises.
Lembro que antigamente as pessoas tinham um filtro e uma caneca esmaltada (toda batida) e bebiam água nela a vida inteira. Hoje tomamos água num copo de plástico descartável e nos servimos café em outro, pois o copo em que tomamos água esfriaria o café. Imediatamente após o uso ele é descartado e acaba no rio Cuiabá. Tudo isso não importa na prática, apenas no discurso. O que importa é que para evitar crises precisamos destes mecanismos artificiais de valorização de capital, ou seja, é necessário criar uma demanda correspondente imediatamente.
Sendo assim: a empresa de sucesso é aquela que cria novas necessidades e ou transforma necessidades em necessidades permanentes.
O setor farmacêutico é um exemplo clássico, não existem pesquisas para curar a pressão alta (com raras exceções de instituições públicas sem fins lucrativas). O que se busca é controlar a doença para que as pessoas tomem um comprimido por dia pelo resto da vida e de preferência que este gere efeitos colaterais que exija que se tome mais um. Ninguém está preocupado com a sua saúde.
Neste contexto um importante economista Canadense John Kenneth Galbraith se questiona: “será que compramos o carro que realmente queremos ou aquele que a General Motors nos convence que é o melhor para nós?”. Elas chegam a usar 5% do seu faturamento para fazer isso.

É claro que isto é absolutamente irracional sob a ótica coletiva (da sociedade como um todo) e torna o modelo insustentável, mas ninguém liga para isso. A prova disso é que quase ninguém abre mão do consumismo. Por isso, esta questão acaba se tornando uma retórica em que o discurso não tem nada a ver com a prática. Chega uma hora em que nem a gente mesmo percebe que nossas ações não tem nada a ver com o nosso discurso. Nós nos enganamos a nós mesmos e tudo continua como está.

Está é uma história que pode ter uma conotação pessimista ou realista, tudo depende dos olhos de quem a lê.


Fonte: ESPAÇO ABERTO - Debate de ideias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT   - ADUFMAT - nº 473/2013

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