Para
apresentar os argumentos vou procurar desenvolver o exemplo de um setor
específico, que na verdade se aplica a todos os setores, isto é, para a
economia como um todo.
No
mundo e no Brasil o setor automobilístico tem uma capacidade produtiva muito
maior do que a demanda existente por automóveis. Neste caso a demanda se refere
a pessoas que querem e podem comprar um automóvel, não que gostariam.
Como
em qualquer setor, também no setor automobilístico as empresas têm condições
competitivas diferenciadas. As empresas que tem vantagens competitivas
conseguem vender seus automóveis sem grandes dificuldades e podem operar com
plena capacidade produtiva. As empresas que não têm vantagens competitivas, já
têm mais dificuldades de valorização do capital e seguramente operarão com
capacidade ociosa. Por fim, as que têm desvantagens competitivas têm grandes
dificuldades para vender seus automóveis em condições de garantir a valorização
do capital (lucro) e operam com capacidade ociosa como regra.
Mesmo
já tendo automóveis em excesso (esta é a regra, mas pode haver exceções em
algum momento) todas as empresas precisam investir mais. A pergunta é por quê?
Pois isso parece irracional. Por que investir mais se já se produz automóvel em
excesso? O problema é que é irracional sob a ótica coletiva ou da sociedade
como um todo, mas para as empresas individualmente é uma questão de
sobrevivência.
Quem
tem vantagens competitivas investe para mantê-la. Quem tem desvantagem
competitiva investe para tentar reverte à situação. Nem sempre isto é possível
e são fechadas, adquiridas ou se faz fusões antes da falência completa e, neste
processo geralmente o objetivo é adquirir a marca e os clientes da empresa em
dificuldades, pois a estrutura produtiva não é atraente.
Como
se manter competitivo exige um elevado montante de recursos, estas empresas não
tem capital suficiente e por isso a maior parte delas emprestam recursos de
terceiros para viabilizar os investimentos necessários, ou dos bancos
(endividamento) ou lançam ações em caso de sociedades anônimas (arrumando
sócios).
Portanto,
no setor a capacidade produtiva já é excessiva, mas as dificuldades de
valorização de todo o capital no processo produtivo do setor (produzindo e
vendendo automóveis) leva a competição. Por uma questão de sobrevivência, a
competição leva a necessidade de ser competitivo, o que exige elevados
investimentos e, portanto, recursos, para geralmente criar uma estrutura
produtiva ainda maior.
A
dificuldade de valorização do capital (portanto ele não é escasso, pois se
fosse escasso não haveria dificuldade de valorização) leva a necessidade
constante de criação de novas necessidades, influenciando os gostos e os
hábitos dos consumidores ou inovando de todas as formas possíveis. Estes são
mecanismos anticrise de valorização do capital.
Ex.
quando uma empresa lança o mesmo automóvel com um design diferente, você olha
para o seu velho (de 2 ou 3 anos) e o acha muito feio, o novo é muito mais
bonito. Se não for assim, o objetivo do novo projeto não é atingido e se torna
um fracasso. É por isso que você tem a necessidade de trocar o celular todo
ano, sem realmente precisar fazê-lo, você está sendo influenciado, levado ao
consumismo, a descartabilidade e a instantaneidade, o que é absolutamente
necessário para valorizar o capital existente dentro do ponto de vista das
empresas de forma individual, evitando crises. Como sabemos, os governos fazem
tudo para evitar estas crises.
Lembro
que antigamente as pessoas tinham um filtro e uma caneca esmaltada (toda
batida) e bebiam água nela a vida inteira. Hoje tomamos água num copo de
plástico descartável e nos servimos café em outro, pois o copo em que tomamos
água esfriaria o café. Imediatamente após o uso ele é descartado e acaba no rio
Cuiabá. Tudo isso não importa na prática, apenas no discurso. O que importa é
que para evitar crises precisamos destes mecanismos artificiais de valorização
de capital, ou seja, é necessário criar uma demanda correspondente
imediatamente.
Sendo
assim: a empresa de sucesso é aquela que cria novas necessidades e ou
transforma necessidades em necessidades permanentes.
O
setor farmacêutico é um exemplo clássico, não existem pesquisas para curar a
pressão alta (com raras exceções de instituições públicas sem fins lucrativas).
O que se busca é controlar a doença para que as pessoas tomem um comprimido por
dia pelo resto da vida e de preferência que este gere efeitos colaterais que
exija que se tome mais um. Ninguém está preocupado com a sua saúde.
Neste
contexto um importante economista Canadense John Kenneth Galbraith se
questiona: “será que compramos o carro que realmente queremos ou aquele que a
General Motors nos convence que é o melhor para nós?”. Elas chegam a usar 5% do
seu faturamento para fazer isso.
É
claro que isto é absolutamente irracional sob a ótica coletiva (da sociedade
como um todo) e torna o modelo insustentável, mas ninguém liga para isso. A
prova disso é que quase ninguém abre mão do consumismo. Por isso, esta questão
acaba se tornando uma retórica em que o discurso não tem nada a ver com a
prática. Chega uma hora em que nem a gente mesmo percebe que nossas ações não
tem nada a ver com o nosso discurso. Nós nos enganamos a nós mesmos e tudo
continua como está.
Está
é uma história que pode ter uma conotação pessimista ou realista, tudo depende
dos olhos de quem a lê.
Fonte: ESPAÇO ABERTO - Debate de ideias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT - ADUFMAT - nº 473/2013
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