Páginas

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Por que acreditamos (ou não) em Deus?


 

Alguns dias atrás, a revista Prospect da Inglaterra publicou o resultado de uma pesquisa que elegeu os maiores pensadores do mundo. No topo da lista está o biólogo e professor da Universidade de Oxford, Richard Dawkins. Dawkins é popularmente conhecido pela sua posição contrária e extremista com relação ao teísmo e/ou crenças em seres sobrenaturais. Existe muita gente que acredita em Deus. E isso irrita um pouco o Dawkins. No entanto, para a surpresa de muitos, existe muita gente no mundo que não acredita em Deus. Tal variedade, obviamente, sempre despertou o interesse de cientistas cognitivos que buscam entender o que há de cognitivo na crença em Deus (ou na falta dela).

Uma das propostas mais convincentes até o momento diz respeito ao que chamamos na Psicologia Cognitiva de estilos cognitivos (cognitive styles ou modes of thinking). Em termos gerais, temos dois sistemas de pensamento: um sistema que chamamos de analítico e um outro sistema que chamamos de intuitivo. O sistema analítico geralmente requer o uso de mais recursos cognitivos, demanda mais tempo de processamento e é associado a uma análise criteriosa do problema em questão. Já o sistema intuitivo está relacionado a respostas mais rápidas e que demandam menos uso de recursos cognitivos. Todos nós utilizamos os dois sistemas de maneira cotidiana. Eles não são mutualmente exclusivos e tampouco associados com inteligência ou falta dela.

No entanto, pesquisas têm apontado que a crença em Deus ou em outros seres sobrenaturais está associada ao sistema intuitivo da nossa cognição (veja essa postagem do Cognando). Muitos desses estudos, na verdade, são estudos de caráter correlacional, ou seja, não há como fazer nenhum tipo de inferência causal. Um estudo publicado recentemente na revista Science buscou preencher essa lacuna. Em uma série de experimentos, Will Gervais e Ara Norenzayan mostraram que é possível inferir que um modo de pensamento mais analítico causa uma descrença religiosa.

No estudo, os participantes responderam a uma medida de religiosidade após serem induzidos a pensar de forma mais ou menos analítica. Em um dos experimentos, os participantes foram expostos a obras de arte mostrando pessoas pensando (ex.: O Pensador) ou obras mostrando outros tipos de atividade (ex.: O Discóbolo de Myron). As pessoas expostas às obras de pessoas pensando (supostamente induzindo um modo mais analítico de pensar) mostraram uma crença religiosa significativamente menor em comparação ao outro grupo de pessoas expostas às obras neutras.

Para induzir um modo de pensamento analítico de maneira mais direta, os pesquisadores utilizaram um fenômeno já bastante conhecido na Psicologia Cognitiva, chamado de fluência de processamento. Esse princípio postula que informações difíceis de serem processadas (tipo um texto cinza claro em um fundo branco), induzem um modo de pensamento mais analítico. Assim, a medida de religiosidade foi impressa em fontes fáceis de serem lidas e em fontes difíceis de serem lidas. O resultado mostrou que o grupo de pessoas que recebeu a medida de religiosidade impressa em uma fonte difícil de ser lida demonstrou uma crença religiosa significativamente menor do que o grupo que recebeu a mesma medida impressa em uma fonte fácil de ler. E esse efeito ocorreu mesmo após o controle de outras variáveis tais como inteligência e afiliação religiosa.

O que isso quer dizer? Em termos gerais, isso quer dizer que, dentre os vários fatores que causam a descrença em Deus e em outros seres sobrenaturais, o estilo cognitivo é um deles. Pensar de maneira mais analítica parece deixar pouco espaço para crenças religiosas. Basta saber até que ponto esse efeito é evasivo em culturas que apresentam vários níveis de religiosidade, organizamos de maneira complexa. O primeiro passo está dado.

Referência:
Gervais WM, & Norenzayan A (2012). Analytic thinking promotes religious disbelief. Science (New York, N.Y.), 336 (6080), 493-6 PMID: 22539725

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário. Ele é a nossa recompensa.