Alguns dias
atrás, a revista Prospect da Inglaterra publicou o resultado de uma pesquisa
que elegeu os maiores pensadores do mundo. No topo da lista está o biólogo e
professor da Universidade de Oxford, Richard Dawkins. Dawkins é popularmente
conhecido pela sua posição contrária e extremista com relação ao teísmo e/ou
crenças em seres sobrenaturais. Existe muita gente que acredita em Deus. E isso
irrita um pouco o Dawkins. No entanto, para a surpresa de muitos, existe muita
gente no mundo que não acredita em Deus. Tal variedade, obviamente, sempre
despertou o interesse de cientistas cognitivos que buscam entender o que há de
cognitivo na crença em Deus (ou na falta dela).
Uma das
propostas mais convincentes até o momento diz respeito ao que chamamos na
Psicologia Cognitiva de estilos cognitivos (cognitive styles ou modes of
thinking). Em termos gerais, temos dois sistemas de pensamento: um sistema que
chamamos de analítico e um outro sistema que chamamos de intuitivo. O sistema
analítico geralmente requer o uso de mais recursos cognitivos, demanda mais
tempo de processamento e é associado a uma análise criteriosa do problema em
questão. Já o sistema intuitivo está relacionado a respostas mais rápidas e que
demandam menos uso de recursos cognitivos. Todos nós utilizamos os dois
sistemas de maneira cotidiana. Eles não são mutualmente exclusivos e tampouco
associados com inteligência ou falta dela.
No entanto,
pesquisas têm apontado que a crença em Deus ou em outros seres sobrenaturais
está associada ao sistema intuitivo da nossa cognição (veja essa postagem do
Cognando). Muitos desses estudos, na verdade, são estudos de caráter
correlacional, ou seja, não há como fazer nenhum tipo de inferência causal. Um
estudo publicado recentemente na revista Science buscou preencher essa lacuna.
Em uma série de experimentos, Will Gervais e Ara Norenzayan mostraram que é
possível inferir que um modo de pensamento mais analítico causa uma descrença
religiosa.
No estudo, os
participantes responderam a uma medida de religiosidade após serem induzidos a
pensar de forma mais ou menos analítica. Em um dos experimentos, os
participantes foram expostos a obras de arte mostrando pessoas pensando (ex.: O
Pensador) ou obras mostrando outros tipos de atividade (ex.: O Discóbolo de
Myron). As pessoas expostas às obras de pessoas pensando (supostamente
induzindo um modo mais analítico de pensar) mostraram uma crença religiosa
significativamente menor em comparação ao outro grupo de pessoas expostas às
obras neutras.
Para induzir
um modo de pensamento analítico de maneira mais direta, os pesquisadores
utilizaram um fenômeno já bastante conhecido na Psicologia Cognitiva, chamado
de fluência de processamento. Esse princípio postula que informações difíceis
de serem processadas (tipo um texto cinza claro em um fundo branco), induzem um
modo de pensamento mais analítico. Assim, a medida de religiosidade foi
impressa em fontes fáceis de serem lidas e em fontes difíceis de serem lidas. O
resultado mostrou que o grupo de pessoas que recebeu a medida de religiosidade
impressa em uma fonte difícil de ser lida demonstrou uma crença religiosa
significativamente menor do que o grupo que recebeu a mesma medida impressa em uma
fonte fácil de ler. E esse efeito ocorreu mesmo após o controle de outras
variáveis tais como inteligência e afiliação religiosa.
O que isso
quer dizer? Em termos gerais, isso quer dizer que, dentre os vários fatores que
causam a descrença em Deus e em outros seres sobrenaturais, o estilo cognitivo
é um deles. Pensar de maneira mais analítica parece deixar pouco espaço para
crenças religiosas. Basta saber até que ponto esse efeito é evasivo em culturas
que apresentam vários níveis de religiosidade, organizamos de maneira complexa.
O primeiro passo está dado.
Referência:
Gervais WM, & Norenzayan A (2012). Analytic
thinking promotes religious disbelief. Science (New York, N.Y.), 336 (6080), 493-6 PMID:
22539725
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