Começava a sua viagem o ano de 1932.
Era janeiro e eu festejava os meus oito
anos de vida e de aventuras no sertão nordestino.
Nesse tempo, o povo sertanejo olhava,
fixamente, em direção ao céu, e via, preocupado, evidentes sinais da
aproximação de uma grande seca.
O meu bisavô costumava dizer que foi no
ano de 1870 que o sertão “pegou fogo”, sofrendo a mais terrível estiagem da
história. Ali não chovia durante um lustro.
Na seca de 1932, que eu testemunhava, os
açudes, os rios e outras fontes armazenadoras de água, compreendendo uma vasta
área do nordeste, o chamado “polígono das secas”, esgotaram-se. Não havia mais
água na superfície. Por esse motivo, homens, mulheres e crianças, formando
batalhões de voluntários, usando ferramentas precárias, cavaram, com a avidez
de arqueólogos, o leito seco dos rios, à procura de água subterrânea, mais
valiosa do que ouro, naquelas circunstâncias. O líquido salvador, quando
encontrado, formava cacimbas que, quando profundas, eram imediatamente cercadas
para evitar afogamentos.
Em volta das cacimbas construíam-se
bebedouros de madeira, compridos e largos, uns altos e outros baixos, nos quais
depositava-se água, carregada em cabaças e barris, para aplacar a sede de todas
as espécies de usuários.
Havia compreensão e tolerância entre os
homens e as várias espécies de seres vivos que suportavam o mesmo drama.
Naquele transe, quando o essencial era a preservação da vida, todos se
consideravam irmãos ou solidários.
Nas cacimbas ocorriam encontros
obrigatórios de entes heterogêneos, muitos deles inimigos naturais, apenas
unidos pelo desejo comum da sobrevivência; parecia que se formava, ali, o
embrião que muitos anos depois iria nortear e aglutinar os ideias da humanidade
quando da organização da entidade internacional que hoje conhecemos pela sigla
ONU.
Não havia distinção entre as várias
espécies de animais que se encontravam naqueles locais, fossem sapos, cobras,
aves. Ovinos, caprinos e outros mais. Todos tinham o direito natural de livre
acesso àquelas cobiçadas fontes de água. Os mais ferozes inimigos congênitos
respeitavam-se mutuamente em torno dos bebedouros coletivos que todos, por
instinto, respeitavam como lugar sagrado. Se não havia confraternização, como é
compreensível, também não se verificavam contendas. Longe dali, porém, quando
as espécies voltavam ao seu “habitat”, a Natureza fazia cumprir as suas leis
imutáveis, reiniciando-se as disputas.
A seca, que se formava no início do
citado ano, estendeu-se por 36 meses. As pessoas idosas informavam que ela fora
tão terrível quanto aquela de 1870, embora mais curta.
Eu guardo, ainda, nos escaninhos da
memória, cenas dantescas ocorridas no período daquela seca, em que o homem,
habitante dos cafundós do sertão, para sobreviver, lutava sozinho, em
inferioridade, contra os elementos hostis e invencíveis da Natureza que o
castigava, sem qualquer ajuda, fosse divina ou dos poderes públicos.
A falta de água, os campos mortos e a
árvores estorricadas, transformavam aquelas populações em miseráveis,
obrigando-as a iniciar o seu êxodo, iludidas pela esperança de salvação.
Eram levas formadas, em sua maioria, por
trabalhadores braçais, vaqueiros desempregados, e pequenos comerciantes ou
agricultores que perderam tudo que possuíam, até o ânimo. Havia também, em seu
meio, pessoas desamparadas, sem família e outras incapacitadas, tais como
aleijados que se equilibravam em muletas precárias; mutilados, cegos guiados
por meninos desnutridos, barrigudos e carcomidos de vermes; mulheres em estado
de gravidez, prestes a parir; mulheres outras carregando os filhos pequenos nos
braços despidos de carne. Era penosa a situação da gente idosa, nas piores
condições físicas e mentais, esforçando-se com denodo para acompanhar os corpos
lanhados de cicatrizes ou cobertos de chagas.
Percorrendo caminhos adustos e vigiados
pela inclemência de um Sol abrasador, deslocavam-se a pá, vagarosos e
vacilantes, lembrando soldados em retirada após a derrota no campo de batalha.
A grande maioria dessa gente vinha faminta, suja, estropiada, tendo as carnes
escalavradas por doenças.
A visão de crianças atacadas de perebas,
catapora, sarampo e até varíola era desesperadora.
O homem sertanejo via-se forçado a
abandonar o torrão natal e a palmilhar, desiludido da vida, estradas sem fim e
sem destino conhecido; estradas áridas, poeirentas e esburacadas que
ocasionalmente transformavam-se em cemitério, onde os mortos iam apodrecer ao
ar livre.
Os retirantes, ansiosos por um milagre
da Providência, espiavam com frequência para o céu, e se entristeciam ao
observarem o passar de raras nuvens brancas e magras como eles próprios, nuvens
essas que pareciam mostrar-se saudosas de invernos passados.
O vento soprava quente como se viesse de
uma fogueira infernal, aumentando a angústia das pessoas e dos animais. A
poeira levantada intumescia as gargantas e incomodava os olhos dos viajantes.
Ao meio dia, a areia escaldava,
fazendo-se crer que o Diabo tivesse pavimentado os caminhos com brasas.
Como patrimônio, esses condenados,
castigados pela seca e pelo destino, carregavam apenas a roupa do corpo, além
do seu sofrimento, desconhecido do mundo. Muitos deles morriam na estrada, de
inanição ou de doenças, sendo abandonados pelos companheiros de jornada nos
locais em que caiam, pela impossibilidade de se lhes dar uma sepultura cristã.
As carcaças de pessoas e de animais, abandonadas a céu aberto eram então
disputadas por multidões de abutres, únicos habitantes daquelas plagas,
contentes com a fartura macabra.
O que mais pungia o coração era a visão
de crianças tristes (muitas delas da minha idade), maltrapilhas, quase nuas,
descalças, macilentas, a pele ressequida grudada às costelas expostas e os
cabelos grandes, sujos e desgrenhados, impregnados de piolhos.
O olhar dessas vítimas inocentes era
desbotado, glacial, indiferente ao futuro; suas fisionomias melancólicas, sem
os sinais de um sorriso, revelavam, somente, dor e desespero, dando a impressão
de que pediam a Deus para abreviar suas vidas. Muitas delas incorporavam-se a
grupos de desconhecidos, seus companheiros nos caminhos percorridos pelas ondas
do sofrimento.
Aqueles nossos irmãos, desfilando como
sombras, por veredas e estradas adustas, enfrentavam dificuldades que as
palavras recusam-se a exprimir. Transformados em verdadeiros farrapos humanos,
movimentavam-se quais zumbis, desgarrados da sorte e da vida. Entravam
cerimoniosos em nossas casas para pedir algum tipo de socorro, sem atitudes de
exigência. Comiam a oferenda de migalhas, sem jamais praticar crimes ou
violências.
Nos momentos em que a canícula era mais
forte, e quando lhes dava a oportunidade, descansavam, submissos, humildes, sob
o nosso teto, mas logo que a luz rompia as trevas eles partiam em busca da
esperança e da salvação, sem a certeza de encontrá-las, deixando nos rastros
impressos na areia o testemunho do seu abandono.
O êxodo do sertanejo, tímido no início
da seca, aumentava gradualmente com o prolongamento da estiagem, mas se fazia
de maneira pacífica, como se fosse uma procissão interminável. Estendeu-se por
cerca de três anos. A maioria não se queixava da sorte ou da falta de amparo de
um governo sempre ausente, pois sua religião a confortava, fazendo-a acreditar
ser aquela calamidade um castigo de Deus para a expiação dos seus pecados.
Em sua lenta e penosa fuga, as pessoas
falavam somente o necessário, o obrigatório, para economizarem até as palavras,
que lhes ficavam retidas nas gargantas junto com a poeira acumulada das
estradas. Apenas as crianças, por não compreenderem o motivo do castigo imposto
pela Natureza, ou por Deus, como também se dizia, de vez em quando choravam,
soluçavam, banhando o chão duro com lágrimas amargas, sofridas, por não
suportarem o peso do infortúnio que as alcançava. Homens, mulheres e crianças,
esquecidos pelo Pai Eterno e por seus semelhantes, morriam no sertão em grande
número, em silêncio, conformados, sem forças para exalar um gemido sequer.
Cachorros esquálidos, de olhos
remelentos, famintos, sedentos e sarnentos, coçavam-se e ganiam. Traziam os
rabos entre as pernas, sem movimento, atitude típica de tristeza, de dor e
desespero; não possuíam, ao menos, forças para latir. Como amigos fiéis dos
homens, os seguiam cabisbaixos, geralmente silenciosos e morriam junto com
eles, sem entenderem a causa daquela calamidade, daquela tragédia sertaneja.
Alguns, desgarrados, procuravam sobreviver por conta própria, o que lhes era
impossível. Perambulavam sem destino, aguardando, apenas, sem saber o momento
da sua morte que não tardava, morte testemunhada somente pelos urubus. Vez por
outra, surgia algum cão atacado de “raiva”, conhecido no sertão como “cachorro
azedo”. Por motivo da trágica doença, o cachorro azedo percorria as estradas
sempre correndo e amedrontado. Era prontamente reconhecido por seu olhar
esgazeado, pela baba amarela e abundante e pelo rabo estirado como vara. A
raiva tornava esses animais perigosos e as pessoas apavoradas, davam-lhe caça e
os matavam sem piedade.
Com alguma frequência encontravam-se,
nos campos, bezerros desgarrados, entregues à própria sorte; a pele colada ao
corpo, trôpegos, aproximando-se do precipício da morte. Desnorteados, vagavam a
esmo e mal conseguiam emitir fracos e tristes mugidos, como a pedirem socorro.
Alguns deles eram encontrados arriados no chão, sem forças para movimentarem-se
e já rondadas por urubus famintos que os beliscavam ainda vivos, principalmente
pelos olhos, cujas órbitas deixavam ocas. Mostravam em suas bocas, descarnadas
e corroídas, dentes protuberantes, como se estivessem sempre a sorrir. As aves
que não arribaram e outros animais silvestres morriam como moscas atacadas por
inseticidas.
Quando chegaram as primeiras chuvas salvadoras,
dando fim à seca, o sertão já se achava praticamente desprovido de vida
silvestre.
Deve-se mencionar que os proprietários
de porte médio, como os de nossa família, sobreviveram àquele holocausto à
custa de enormes sacrifícios e privações. Comia-se farinha fabricada de batatas
de umbuzeiro, essa árvore milagrosa do sertão, que também fornecia alguma água
potável. O feijão e o milho colhidos no último inverno, achavam-se guardados em
lugares secretos e eram rigorosamente racionados.
Havia em nossa fazenda extensas
plantações de cactáceas, como a palma e o mandacaru, que serviam de alimento
precário para o gado. Mesmo assim, perdeu-se metade do rebanho.
No segundo ano de seca, o despovoamento
da região acentuava-se. Permanecia, ali, somente o gemido do vento, que parecia
carpir aquela desolação além de alguns poucos abnegados que escolhiam morrer e
ser enterrados no mesmo chão dos seus antepassados. Muitos flagelados trilhavam
as estradas sozinhos e muitos outros passavam acompanhados da família,
geralmente numerosa. Chegavam em nossa casa (que ficava a uns 500 metros à
margem do caminho) tanto de dia como de noite. Lembro-me ainda, como se
estivesse acontecendo agora, dos momentos de medo quando no decorrer da noite
alguém batia com força à nossa porta e gritava: “Ô, de casa!”. Eu abria a porta
apavorado, porque no meio daquela gente pacífica, ordeira, religiosa, também
havia malfeitores e ladrões. Quando meu avô não estava em casa, o meu medo
aumentava e se transformava em pânico que eu procurava dissimular,
principalmente quando os intrusos eram apenas homens, sem familiares. Eu temia
muito pela integridade física e moral da minha avó e pela minha própria. Alguns
deles portavam compridos facões. Às vezes pistolas, e mostravam cara de poucos
amigos; em geral, tinham a barba grande, desgrenhada, as roupas sujas exalando
um mau cheiro que se percebia à distância e usavam alparcatas de couro cru.
Pediam água, comida e um lugar para repousar. Às vezes pediam dinheiro, que
sempre negávamos. Dormiam em esteiras espalhadas no largo chão do alpendre, sem
travesseiros, que não havia. Não se permitia a ninguém pernoitar no interior da
casa por medida de segurança.
Algumas vezes dormiam cinco, dez e até
mais pessoas no alpendre, somente iluminado pela luz das estrelas. E quantas
vezes eu acordei com o choro, o soluço, e até gritos de crianças com fome ou
doentes! Gritos que cortavam a noite e os nossos corações. E apesar da amargura
que essas “aves de arribação” carregavam em suas almas, ainda reuniam ânimo e
fé para rezar antes de dormir, pedindo a proteção divina; mesmo sabendo que
estavam abandonadas e condenadas à própria sorte.
Quando o dia chegava e o Sol estendia
seu vasto lençol de luz sobre a campina estorricada, eles partiam, agradecidos.
Éramos, então, levados a fazer rigorosa faxina no alpendre, para limpar a
sujeira e desinfetá-lo dos piolhos e carrapatos que deixavam.
Quase por milagre cultivávamos uma horta
no quintal da casa que fornecia erva-cidreira para chá, além de quiabo e couve,
com o que minha avó preparava sopas ralas para amenizar a fome daqueles
desgraçados.
Numa noite muito escura eu acordei com o
choro de um recém-nascido. Minha avó acabava de realizar um parto. A mãe, o
neném e o pai permaneceram sob nossos cuidados por mais de uma semana. Certo
dia, quando o Sol enviava à Terra os seus primeiros raios, eles partiram para
um destino ignorado.
Com muita frequência dividíamos nossos escassos
e preciosos alimentos com os retirantes que, à mingua, batiam à nossa porta
para pedir “uma esmola”, já prestes a morrerem de fome e de sede, o que, de
fato, aconteceu por mais de uma vez, deixando-nos o cuidado de enterrar os
corpos num cemitério improvisado.
Como dádiva da natureza, existia na
caatinga uma planta leguminosa, nativa, conhecida pelo esquisito nome de
fedegoso. A sua semente produzia uma beberagem semelhante ao café. Essa bebida
era muito apreciada pelos retirantes; talvez por ser servida quente, ela
fortalecia o abalado espírito dos famintos e lhes dava alento, incentivando-os
as prosseguir na difícil jornada.
Minha avó, ainda que não fosse muito
religiosa, possuía um coração do tamanho da piedade. Derramava lágrimas
copiosas toda vez que indigentes pediam, desesperadamente, a sua ajuda, sempre
acompanhada de um “pelo amor de Deus”, pois nós também enfrentávamos muita
escassez e lutávamos, com denodo, para sobrevivermos àquele inferno em que se
transformava o sertão.
Embora as cenas fossem habituais e
numerosas, sempre nos deixavam horripilados com a visão das faces pálidas,
encovadas, daquela pobre gente que trazia seus pés machucados nas pedras ou
queimados pelas areias quentes dos caminhos.
A compaixão que aquela heroína sertaneja
dedicava aos retirantes espicaçava a sua bondade a ponto de fazê-la instalar
num depósito que havia nos fundos de nossa casa, um cocho para banho, embora a
água utilizada também fosse racionada, pois provinha de cacimbas distantes que,
com muito esforço e sacrifício era transportada em barris de madeira sobre o
lombo de burros magros que mal suportavam o peso da carga.
Nessa banheira improvisada, os
miseráveis deixavam depositados o cansaço
e a poeira que se achava colada em seus corpos. Deixavam ali, também,
suas lágrimas e parte do sofrimento que carregavam, após o que, sentindo-se
reconfortados, reiniciavam sua penosa marcha sem saberem se a caminhada os
levava para a vida ou para a morte.
A saga do sertanejo naqueles terríveis
anos de seca apresentou uma epopeia esquecida pela história, uma epopeia
trágica que poderia ser bem representada por uma ópera ou uma elegia. Não
havia, então, como acontece nos tempos atuais, qualquer socorro governamental,
nem mesmo regional, pois as Prefeituras de todo o sertão encontravam-se
falidas. Não existiam frentes de trabalho, distribuição de alimentos ou
abastecimento de água.
Os proprietários ricos pouco sofriam com
a seca, pois dispunham, em suas terras, de grandes açudes, de cuja água eram os
senhores e únicos usuários.
O homem sertanejo, legítimo
representante de um povo intrépido, valente, lutava e brigava contra os
elementos hostis da Natureza, acumulando, no seu dia a dia, nas dobras da alma,
o sofrimento, o luto, o silêncio e a indiferença dos Poderes Públicos de então.
A sua vida sempre fora pródiga em dificuldades e pobreza, mas agora desmoronava
como um edifício implodido.
Aquela gente morria sozinha, sem reza,
sem uma cruz, abandonada como lixo, vencida pelas chamas de forças implacáveis.
Embora teimosa ao extremo e de um espírito temperado pela tradição do
sofrimento herdado de sucessivas gerações, esses rejeitados da sorte choravam
ao deixarem as suas raízes e as suas terras, que representavam quase tudo de
suas próprias vidas, pressentindo, ademais, no âmago de suas almas, a certeza
de que jamais retornariam.
Paciente e resignado com a fatalidade de
um destino cruel, o homem do sertão mantinha viva a sua fé e não se cansava de
pedir a proteção de Deus e de outras divindades do seu conhecimento. Aqueles
flagelados chegavam a crer que Deus e sua corte, estaria ocupado com outros
filhos, talvez, até, habitantes de outros planetas existentes na sua infinita
propriedade e, possivelmente, mais merecedores de sua comiseração.
No terceiro e último ano desse memorável
e apocalíptico fenômeno da Natureza, os povoados e até cidades do sertão
perderam a maioria dos seus moradores. Faziam lembrar aqueles legendários
vilarejos fantasmas norte-americanos, abandonados pelos seus habitantes após se
terem esgotadas as jazidas de ouro que ali se exploravam, e que ficaram
conhecidos através de famosos e emocionantes filmes de “FAR-WEST”.
Permaneceram em muitos daqueles locais
pessoas idosas, sem esperança e sem futuro, verdadeiros restos humanos, sem
forças nem resistência, ou talvez vontade de encetarem a jornada da fuga,
embora tendo a certeza da morte próxima, se ali permanecessem.
Assim, esse rejeitados da vida ficavam
estagnados em suas aldeias, em suas casas, como as águas de um poço, e a sua
maioria morreu de fome ou condenada por doenças, antes do reinício do ciclo das
chuvas.
Havia povoações em que os mortos não
eram enterrados por falta de coveiros ou de pessoas caridosas dispostas a
gastar suas últimas energias com o esforço que se fazia para tal.
Os corpos em decomposição ficavam
expostos ao tempo cobertos por nuvens de moscas nauseabundas e ao alcance de
urubus, ratos e formigas que se transformaram nos novos residentes daquelas
comunidades, anteriormente tão cheias de animação e de vida.
As casas, abandonadas, achavam-se em
ruinas, dando a impressão que estavam habitadas por fantasmas. As portas e
janelas, estragadas pela ação do tempo e dos elementos, abriam e fechavam com
ruído, obedecendo à vontade do vento.
As igrejas também abandonadas pelos seus
padres, por falta de fieis, refletiam, no seu vazio, a intensidade do drama da
seca. Os sinos badalavam, tangidos pela aragem, salpicando o ar com sons
fúnebres como se estivessem a convidar espectros para a missa.
Rajadas fortes de vento ciscavam as
ruelas dos povoados abandonados, levantando nuvens de poeira vermelha.
Vale recordar que esses desvalidos,
embora fossem pessoas rudes, sem instrução, atormentadas pelas muitas
dificuldades que passavam em busca da sobrevivência, sofrendo fome e sede por
vários meses, alimentavam-se por vezes com raízes e cascas de árvore, mostravam-se
incapazes de roubar ou de assaltar seus semelhantes, ou sequer matar aqueles animais
que cruzassem os seus caminhos, sem o prévio consentimento do seu dono.
Era um povo desgraçado pela miséria, que
sofria a perda de seus entes queridos, mas sempre ordeiro, temente a Deus, e
capaz de dar exemplos de comportamento cristão a todos os seus semelhantes.
Ainda hoje me arrepio quando em meu
pensamento reavivo esse “vídeo-tape” em que desfilam cenas tão horríveis
daqueles três anos de seca.
Por tudo isso, EUCLIDES DA CUNHA teve
razão, quando asseverou:
“O SERTANEJO É, ANTES DE TUDO, UM
FORTE”.
Autor: Edson Almeida Valadares
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