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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Brasil é o país do futuro!

Na tentativa de “traduzir” o nosso país, Mário de Andrade, em Macunaíma (1928), expôs um dos enunciados mais famosos de nossa literatura: “Muita Saúva, Pouca Saúde. Os Males do Brasil São”. Metaforicamente, o escritor referia-se à roubalheira e à impunidade, soberanas desde sempre no Brasil.

Vale lembrar que essa máxima andradina surgiu por conta de outro enunciado, mas proferido por um naturalista francês do século XIX, Saint-Hilaire, que, no livro Viagem à Província de São Paulo, registrara o seguinte: “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”. Neste caso, “saúva” era literal; tratava-se da formiga “cortadeira”: uma praga resistente e destruidora.

De minha parte, não creio que, por si, as intermináveis roubalheiras, a insistente impunidade e as incontáveis saúvas acabarão com o Brasil. Nem vejo esse conjunto de coisas – que não é pouca coisa – como o maior de nossos males.

Portanto, se discordo de Mário de Andrade e de Saint-Hilaire, o que considero como o maior dos males de nosso país?

Resposta: a supremacia da ignorância.

Antes de tudo, é fundamental saber que a ignorância é produção político-social; por isso, é a mãe de todos os males. Ainda que se possa constatá-la em todas as classes sociais, os mais pobres, distantes de educação de qualidade, são suas vítimas preferenciais. Para fugir da ignorância, um pobre, quando já não está impossibilitado, tem mais dificuldade do que um rico.

E o que é a ignorância?

É a falta de conhecimento. É a falta do saber. É a estupidez. Figuradamente, a ignorância está relacionada às trevas: um tipo de “apagão” mental.

Por que estou falando disso?

Inicialmente, por conta de uma notícia, veiculada no final de agosto (26), deste ano, pelo Jornal O Estadão de São Paulo: “Mortalidade infantil está diretamente associada à falta de estudo dos pais”.

No lead dessa matéria, baseada em dados do último senso, já se percebia a dimensão do estrago que a ignorância causa: “Estatística compilada pelo 'Estadão Dados' mostra que, para cada ponto percentual retirado da taxa de analfabetismo da população adulta, a morte de crianças cai 4,7 pontos; fator tem mais influência do que a pobreza e a falta de saneamento básico”. Claro que isso deixa as saúvas e a saúde no chão.

Da mesma matéria, destaco uma síntese exposta pelo professor José Cássio de Moraes, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo: "A mãe com nível educacional melhor reconhece mais rapidamente os sintomas de doenças.".

Vou além. Pais educados, embora não tenham a capacidade de impedir, podem dificultar a incidência de uma das doenças sociais mais graves: a violência generalizada contra crianças, adolescentes e jovens.

Nesse sentido, é possível inferir que a ignorância, em perfeito convívio com a pobreza, tenha ajudado a enterrar, há poucos dias, aquele jovem que foi espancado após tentar apartar duas brigas, em um baile funk, na periferia de São Paulo.

Mas a ignorância, aquela que, conforme Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes, “atravanca o progresso”, está também onde menos deveria: nas universidades. De nossos universitários, 38% são analfabetos funcionais: não dominam habilidades básicas; ou seja, não leem e nem escrevem, mas são universitários. Simples assim!

E assim, nessa simplicidade, vamos consolidando a sentença: “o Brasil é o país do futuro”.

Não tenho dúvidas disso. E na proporção que disso não duvido, se nos mantivermos nas atuais trilhas políticas, o Brasil será, sim, o país do futuro, mas sombrio; muito sombrio.


Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT




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