Na
tentativa de “traduzir” o nosso país, Mário de Andrade, em Macunaíma (1928),
expôs um dos enunciados mais famosos de nossa literatura: “Muita Saúva, Pouca
Saúde. Os Males do Brasil São”. Metaforicamente, o escritor referia-se à
roubalheira e à impunidade, soberanas desde sempre no Brasil.
Vale
lembrar que essa máxima andradina surgiu por conta de outro enunciado, mas
proferido por um naturalista francês do século XIX, Saint-Hilaire, que, no
livro Viagem à Província de São Paulo, registrara o seguinte: “Ou o Brasil
acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”. Neste caso, “saúva” era
literal; tratava-se da formiga “cortadeira”: uma praga resistente e
destruidora.
De
minha parte, não creio que, por si, as intermináveis roubalheiras, a insistente
impunidade e as incontáveis saúvas acabarão com o Brasil. Nem vejo esse
conjunto de coisas – que não é pouca coisa – como o maior de nossos males.
Portanto,
se discordo de Mário de Andrade e de Saint-Hilaire, o que considero como o
maior dos males de nosso país?
Resposta:
a supremacia da ignorância.
Antes
de tudo, é fundamental saber que a ignorância é produção político-social; por
isso, é a mãe de todos os males. Ainda que se possa constatá-la em todas as
classes sociais, os mais pobres, distantes de educação de qualidade, são suas
vítimas preferenciais. Para fugir da ignorância, um pobre, quando já não está
impossibilitado, tem mais dificuldade do que um rico.
E o
que é a ignorância?
É a
falta de conhecimento. É a falta do saber. É a estupidez. Figuradamente, a
ignorância está relacionada às trevas: um tipo de “apagão” mental.
Por
que estou falando disso?
Inicialmente,
por conta de uma notícia, veiculada no final de agosto (26), deste ano, pelo
Jornal O Estadão de São Paulo: “Mortalidade infantil está diretamente associada
à falta de estudo dos pais”.
No
lead dessa matéria, baseada em dados do último senso, já se percebia a dimensão
do estrago que a ignorância causa: “Estatística compilada pelo 'Estadão Dados'
mostra que, para cada ponto percentual retirado da taxa de analfabetismo da
população adulta, a morte de crianças cai 4,7 pontos; fator tem mais influência
do que a pobreza e a falta de saneamento básico”. Claro que isso deixa as
saúvas e a saúde no chão.
Da
mesma matéria, destaco uma síntese exposta pelo professor José Cássio de
Moraes, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo: "A
mãe com nível educacional melhor reconhece mais rapidamente os sintomas de
doenças.".
Vou
além. Pais educados, embora não tenham a capacidade de impedir, podem
dificultar a incidência de uma das doenças sociais mais graves: a violência
generalizada contra crianças, adolescentes e jovens.
Nesse
sentido, é possível inferir que a ignorância, em perfeito convívio com a
pobreza, tenha ajudado a enterrar, há poucos dias, aquele jovem que foi
espancado após tentar apartar duas brigas, em um baile funk, na periferia de
São Paulo.
Mas
a ignorância, aquela que, conforme Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes,
“atravanca o progresso”, está também onde menos deveria: nas universidades. De
nossos universitários, 38% são analfabetos funcionais: não dominam habilidades
básicas; ou seja, não leem e nem escrevem, mas são universitários. Simples
assim!
E
assim, nessa simplicidade, vamos consolidando a sentença: “o Brasil é o país do
futuro”.
Não
tenho dúvidas disso. E na proporção que disso não duvido, se nos mantivermos
nas atuais trilhas políticas, o Brasil será, sim, o país do futuro, mas
sombrio; muito sombrio.
Roberto
Boaventura da Silva Sá
Dr.
Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
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