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terça-feira, 19 de junho de 2012

A Grande Seca


Começava a sua viagem o ano de 1932.
Era janeiro e eu festejava os meus oito anos de vida e de aventuras no sertão nordestino.
Nesse tempo, o povo sertanejo olhava, fixamente, em direção ao céu, e via, preocupado, evidentes sinais da aproximação de uma grande seca.
O meu bisavô costumava dizer que foi no ano de 1870 que o sertão “pegou fogo”, sofrendo a mais terrível estiagem da história. Ali não chovia durante um lustro.
Na seca de 1932, que eu testemunhava, os açudes, os rios e outras fontes armazenadoras de água, compreendendo uma vasta área do nordeste, o chamado “polígono das secas”, esgotaram-se. Não havia mais água na superfície. Por esse motivo, homens, mulheres e crianças, formando batalhões de voluntários, usando ferramentas precárias, cavaram, com a avidez de arqueólogos, o leito seco dos rios, à procura de água subterrânea, mais valiosa do que ouro, naquelas circunstâncias. O líquido salvador, quando encontrado, formava cacimbas que, quando profundas, eram imediatamente cercadas para evitar afogamentos.
Em volta das cacimbas construíam-se bebedouros de madeira, compridos e largos, uns altos e outros baixos, nos quais depositava-se água, carregada em cabaças e barris, para aplacar a sede de todas as espécies de usuários.
Havia compreensão e tolerância entre os homens e as várias espécies de seres vivos que suportavam o mesmo drama. Naquele transe, quando o essencial era a preservação da vida, todos se consideravam irmãos ou solidários.
Nas cacimbas ocorriam encontros obrigatórios de entes heterogêneos, muitos deles inimigos naturais, apenas unidos pelo desejo comum da sobrevivência; parecia que se formava, ali, o embrião que muitos anos depois iria nortear e aglutinar os ideias da humanidade quando da organização da entidade internacional que hoje conhecemos pela sigla ONU.
Não havia distinção entre as várias espécies de animais que se encontravam naqueles locais, fossem sapos, cobras, aves. Ovinos, caprinos e outros mais. Todos tinham o direito natural de livre acesso àquelas cobiçadas fontes de água. Os mais ferozes inimigos congênitos respeitavam-se mutuamente em torno dos bebedouros coletivos que todos, por instinto, respeitavam como lugar sagrado. Se não havia confraternização, como é compreensível, também não se verificavam contendas. Longe dali, porém, quando as espécies voltavam ao seu “habitat”, a Natureza fazia cumprir as suas leis imutáveis, reiniciando-se as disputas.
A seca, que se formava no início do citado ano, estendeu-se por 36 meses. As pessoas idosas informavam que ela fora tão terrível quanto aquela de 1870, embora mais curta.
Eu guardo, ainda, nos escaninhos da memória, cenas dantescas ocorridas no período daquela seca, em que o homem, habitante dos cafundós do sertão, para sobreviver, lutava sozinho, em inferioridade, contra os elementos hostis e invencíveis da Natureza que o castigava, sem qualquer ajuda, fosse divina ou dos poderes públicos.
A falta de água, os campos mortos e a árvores estorricadas, transformavam aquelas populações em miseráveis, obrigando-as a iniciar o seu êxodo, iludidas pela esperança de salvação.
Eram levas formadas, em sua maioria, por trabalhadores braçais, vaqueiros desempregados, e pequenos comerciantes ou agricultores que perderam tudo que possuíam, até o ânimo. Havia também, em seu meio, pessoas desamparadas, sem família e outras incapacitadas, tais como aleijados que se equilibravam em muletas precárias; mutilados, cegos guiados por meninos desnutridos, barrigudos e carcomidos de vermes; mulheres em estado de gravidez, prestes a parir; mulheres outras carregando os filhos pequenos nos braços despidos de carne. Era penosa a situação da gente idosa, nas piores condições físicas e mentais, esforçando-se com denodo para acompanhar os corpos lanhados de cicatrizes ou cobertos de chagas.
Percorrendo caminhos adustos e vigiados pela inclemência de um Sol abrasador, deslocavam-se a pá, vagarosos e vacilantes, lembrando soldados em retirada após a derrota no campo de batalha. A grande maioria dessa gente vinha faminta, suja, estropiada, tendo as carnes escalavradas por doenças.
A visão de crianças atacadas de perebas, catapora, sarampo e até varíola era desesperadora.
O homem sertanejo via-se forçado a abandonar o torrão natal e a palmilhar, desiludido da vida, estradas sem fim e sem destino conhecido; estradas áridas, poeirentas e esburacadas que ocasionalmente transformavam-se em cemitério, onde os mortos iam apodrecer ao ar livre.
Os retirantes, ansiosos por um milagre da Providência, espiavam com frequência para o céu, e se entristeciam ao observarem o passar de raras nuvens brancas e magras como eles próprios, nuvens essas que pareciam mostrar-se saudosas de invernos passados.
O vento soprava quente como se viesse de uma fogueira infernal, aumentando a angústia das pessoas e dos animais. A poeira levantada intumescia as gargantas e incomodava os olhos dos viajantes.
Ao meio dia, a areia escaldava, fazendo-se crer que o Diabo tivesse pavimentado os caminhos com brasas.
Como patrimônio, esses condenados, castigados pela seca e pelo destino, carregavam apenas a roupa do corpo, além do seu sofrimento, desconhecido do mundo. Muitos deles morriam na estrada, de inanição ou de doenças, sendo abandonados pelos companheiros de jornada nos locais em que caiam, pela impossibilidade de se lhes dar uma sepultura cristã. As carcaças de pessoas e de animais, abandonadas a céu aberto eram então disputadas por multidões de abutres, únicos habitantes daquelas plagas, contentes com a fartura macabra.
O que mais pungia o coração era a visão de crianças tristes (muitas delas da minha idade), maltrapilhas, quase nuas, descalças, macilentas, a pele ressequida grudada às costelas expostas e os cabelos grandes, sujos e desgrenhados, impregnados de piolhos.
O olhar dessas vítimas inocentes era desbotado, glacial, indiferente ao futuro; suas fisionomias melancólicas, sem os sinais de um sorriso, revelavam, somente, dor e desespero, dando a impressão de que pediam a Deus para abreviar suas vidas. Muitas delas incorporavam-se a grupos de desconhecidos, seus companheiros nos caminhos percorridos pelas ondas do sofrimento.
Aqueles nossos irmãos, desfilando como sombras, por veredas e estradas adustas, enfrentavam dificuldades que as palavras recusam-se a exprimir. Transformados em verdadeiros farrapos humanos, movimentavam-se quais zumbis, desgarrados da sorte e da vida. Entravam cerimoniosos em nossas casas para pedir algum tipo de socorro, sem atitudes de exigência. Comiam a oferenda de migalhas, sem jamais praticar crimes ou violências.
Nos momentos em que a canícula era mais forte, e quando lhes dava a oportunidade, descansavam, submissos, humildes, sob o nosso teto, mas logo que a luz rompia as trevas eles partiam em busca da esperança e da salvação, sem a certeza de encontrá-las, deixando nos rastros impressos na areia o testemunho do seu abandono.
O êxodo do sertanejo, tímido no início da seca, aumentava gradualmente com o prolongamento da estiagem, mas se fazia de maneira pacífica, como se fosse uma procissão interminável. Estendeu-se por cerca de três anos. A maioria não se queixava da sorte ou da falta de amparo de um governo sempre ausente, pois sua religião a confortava, fazendo-a acreditar ser aquela calamidade um castigo de Deus para a expiação dos seus pecados.
Em sua lenta e penosa fuga, as pessoas falavam somente o necessário, o obrigatório, para economizarem até as palavras, que lhes ficavam retidas nas gargantas junto com a poeira acumulada das estradas. Apenas as crianças, por não compreenderem o motivo do castigo imposto pela Natureza, ou por Deus, como também se dizia, de vez em quando choravam, soluçavam, banhando o chão duro com lágrimas amargas, sofridas, por não suportarem o peso do infortúnio que as alcançava. Homens, mulheres e crianças, esquecidos pelo Pai Eterno e por seus semelhantes, morriam no sertão em grande número, em silêncio, conformados, sem forças para exalar um gemido sequer.
Cachorros esquálidos, de olhos remelentos, famintos, sedentos e sarnentos, coçavam-se e ganiam. Traziam os rabos entre as pernas, sem movimento, atitude típica de tristeza, de dor e desespero; não possuíam, ao menos, forças para latir. Como amigos fiéis dos homens, os seguiam cabisbaixos, geralmente silenciosos e morriam junto com eles, sem entenderem a causa daquela calamidade, daquela tragédia sertaneja. Alguns, desgarrados, procuravam sobreviver por conta própria, o que lhes era impossível. Perambulavam sem destino, aguardando, apenas, sem saber o momento da sua morte que não tardava, morte testemunhada somente pelos urubus. Vez por outra, surgia algum cão atacado de “raiva”, conhecido no sertão como “cachorro azedo”. Por motivo da trágica doença, o cachorro azedo percorria as estradas sempre correndo e amedrontado. Era prontamente reconhecido por seu olhar esgazeado, pela baba amarela e abundante e pelo rabo estirado como vara. A raiva tornava esses animais perigosos e as pessoas apavoradas, davam-lhe caça e os matavam sem piedade.
Com alguma frequência encontravam-se, nos campos, bezerros desgarrados, entregues à própria sorte; a pele colada ao corpo, trôpegos, aproximando-se do precipício da morte. Desnorteados, vagavam a esmo e mal conseguiam emitir fracos e tristes mugidos, como a pedirem socorro. Alguns deles eram encontrados arriados no chão, sem forças para movimentarem-se e já rondadas por urubus famintos que os beliscavam ainda vivos, principalmente pelos olhos, cujas órbitas deixavam ocas. Mostravam em suas bocas, descarnadas e corroídas, dentes protuberantes, como se estivessem sempre a sorrir. As aves que não arribaram e outros animais silvestres morriam como moscas atacadas por inseticidas.
Quando chegaram as primeiras chuvas salvadoras, dando fim à seca, o sertão já se achava praticamente desprovido de vida silvestre.
Deve-se mencionar que os proprietários de porte médio, como os de nossa família, sobreviveram àquele holocausto à custa de enormes sacrifícios e privações. Comia-se farinha fabricada de batatas de umbuzeiro, essa árvore milagrosa do sertão, que também fornecia alguma água potável. O feijão e o milho colhidos no último inverno, achavam-se guardados em lugares secretos e eram rigorosamente racionados.
Havia em nossa fazenda extensas plantações de cactáceas, como a palma e o mandacaru, que serviam de alimento precário para o gado. Mesmo assim, perdeu-se metade do rebanho.
No segundo ano de seca, o despovoamento da região acentuava-se. Permanecia, ali, somente o gemido do vento, que parecia carpir aquela desolação além de alguns poucos abnegados que escolhiam morrer e ser enterrados no mesmo chão dos seus antepassados. Muitos flagelados trilhavam as estradas sozinhos e muitos outros passavam acompanhados da família, geralmente numerosa. Chegavam em nossa casa (que ficava a uns 500 metros à margem do caminho) tanto de dia como de noite. Lembro-me ainda, como se estivesse acontecendo agora, dos momentos de medo quando no decorrer da noite alguém batia com força à nossa porta e gritava: “Ô, de casa!”. Eu abria a porta apavorado, porque no meio daquela gente pacífica, ordeira, religiosa, também havia malfeitores e ladrões. Quando meu avô não estava em casa, o meu medo aumentava e se transformava em pânico que eu procurava dissimular, principalmente quando os intrusos eram apenas homens, sem familiares. Eu temia muito pela integridade física e moral da minha avó e pela minha própria. Alguns deles portavam compridos facões. Às vezes pistolas, e mostravam cara de poucos amigos; em geral, tinham a barba grande, desgrenhada, as roupas sujas exalando um mau cheiro que se percebia à distância e usavam alparcatas de couro cru. Pediam água, comida e um lugar para repousar. Às vezes pediam dinheiro, que sempre negávamos. Dormiam em esteiras espalhadas no largo chão do alpendre, sem travesseiros, que não havia. Não se permitia a ninguém pernoitar no interior da casa por medida de segurança.
Algumas vezes dormiam cinco, dez e até mais pessoas no alpendre, somente iluminado pela luz das estrelas. E quantas vezes eu acordei com o choro, o soluço, e até gritos de crianças com fome ou doentes! Gritos que cortavam a noite e os nossos corações. E apesar da amargura que essas “aves de arribação” carregavam em suas almas, ainda reuniam ânimo e fé para rezar antes de dormir, pedindo a proteção divina; mesmo sabendo que estavam abandonadas e condenadas à própria sorte.
Quando o dia chegava e o Sol estendia seu vasto lençol de luz sobre a campina estorricada, eles partiam, agradecidos. Éramos, então, levados a fazer rigorosa faxina no alpendre, para limpar a sujeira e desinfetá-lo dos piolhos e carrapatos que deixavam.
Quase por milagre cultivávamos uma horta no quintal da casa que fornecia erva-cidreira para chá, além de quiabo e couve, com o que minha avó preparava sopas ralas para amenizar a fome daqueles desgraçados.
Numa noite muito escura eu acordei com o choro de um recém-nascido. Minha avó acabava de realizar um parto. A mãe, o neném e o pai permaneceram sob nossos cuidados por mais de uma semana. Certo dia, quando o Sol enviava à Terra os seus primeiros raios, eles partiram para um destino ignorado.
Com muita frequência dividíamos nossos escassos e preciosos alimentos com os retirantes que, à mingua, batiam à nossa porta para pedir “uma esmola”, já prestes a morrerem de fome e de sede, o que, de fato, aconteceu por mais de uma vez, deixando-nos o cuidado de enterrar os corpos num cemitério improvisado.
Como dádiva da natureza, existia na caatinga uma planta leguminosa, nativa, conhecida pelo esquisito nome de fedegoso. A sua semente produzia uma beberagem semelhante ao café. Essa bebida era muito apreciada pelos retirantes; talvez por ser servida quente, ela fortalecia o abalado espírito dos famintos e lhes dava alento, incentivando-os as prosseguir na difícil jornada.
Minha avó, ainda que não fosse muito religiosa, possuía um coração do tamanho da piedade. Derramava lágrimas copiosas toda vez que indigentes pediam, desesperadamente, a sua ajuda, sempre acompanhada de um “pelo amor de Deus”, pois nós também enfrentávamos muita escassez e lutávamos, com denodo, para sobrevivermos àquele inferno em que se transformava o sertão.
Embora as cenas fossem habituais e numerosas, sempre nos deixavam horripilados com a visão das faces pálidas, encovadas, daquela pobre gente que trazia seus pés machucados nas pedras ou queimados pelas areias quentes dos caminhos.
A compaixão que aquela heroína sertaneja dedicava aos retirantes espicaçava a sua bondade a ponto de fazê-la instalar num depósito que havia nos fundos de nossa casa, um cocho para banho, embora a água utilizada também fosse racionada, pois provinha de cacimbas distantes que, com muito esforço e sacrifício era transportada em barris de madeira sobre o lombo de burros magros que mal suportavam o peso da carga.
Nessa banheira improvisada, os miseráveis deixavam depositados o cansaço  e a poeira que se achava colada em seus corpos. Deixavam ali, também, suas lágrimas e parte do sofrimento que carregavam, após o que, sentindo-se reconfortados, reiniciavam sua penosa marcha sem saberem se a caminhada os levava para a vida ou para a morte.
A saga do sertanejo naqueles terríveis anos de seca apresentou uma epopeia esquecida pela história, uma epopeia trágica que poderia ser bem representada por uma ópera ou uma elegia. Não havia, então, como acontece nos tempos atuais, qualquer socorro governamental, nem mesmo regional, pois as Prefeituras de todo o sertão encontravam-se falidas. Não existiam frentes de trabalho, distribuição de alimentos ou abastecimento de água.
Os proprietários ricos pouco sofriam com a seca, pois dispunham, em suas terras, de grandes açudes, de cuja água eram os senhores e únicos usuários.
O homem sertanejo, legítimo representante de um povo intrépido, valente, lutava e brigava contra os elementos hostis da Natureza, acumulando, no seu dia a dia, nas dobras da alma, o sofrimento, o luto, o silêncio e a indiferença dos Poderes Públicos de então. A sua vida sempre fora pródiga em dificuldades e pobreza, mas agora desmoronava como um edifício implodido.
Aquela gente morria sozinha, sem reza, sem uma cruz, abandonada como lixo, vencida pelas chamas de forças implacáveis. Embora teimosa ao extremo e de um espírito temperado pela tradição do sofrimento herdado de sucessivas gerações, esses rejeitados da sorte choravam ao deixarem as suas raízes e as suas terras, que representavam quase tudo de suas próprias vidas, pressentindo, ademais, no âmago de suas almas, a certeza de que jamais retornariam.
Paciente e resignado com a fatalidade de um destino cruel, o homem do sertão mantinha viva a sua fé e não se cansava de pedir a proteção de Deus e de outras divindades do seu conhecimento. Aqueles flagelados chegavam a crer que Deus e sua corte, estaria ocupado com outros filhos, talvez, até, habitantes de outros planetas existentes na sua infinita propriedade e, possivelmente, mais merecedores de sua comiseração.
No terceiro e último ano desse memorável e apocalíptico fenômeno da Natureza, os povoados e até cidades do sertão perderam a maioria dos seus moradores. Faziam lembrar aqueles legendários vilarejos fantasmas norte-americanos, abandonados pelos seus habitantes após se terem esgotadas as jazidas de ouro que ali se exploravam, e que ficaram conhecidos através de famosos e emocionantes filmes de “FAR-WEST”.
Permaneceram em muitos daqueles locais pessoas idosas, sem esperança e sem futuro, verdadeiros restos humanos, sem forças nem resistência, ou talvez vontade de encetarem a jornada da fuga, embora tendo a certeza da morte próxima, se ali permanecessem.
Assim, esse rejeitados da vida ficavam estagnados em suas aldeias, em suas casas, como as águas de um poço, e a sua maioria morreu de fome ou condenada por doenças, antes do reinício do ciclo das chuvas.
Havia povoações em que os mortos não eram enterrados por falta de coveiros ou de pessoas caridosas dispostas a gastar suas últimas energias com o esforço que se fazia para tal.
Os corpos em decomposição ficavam expostos ao tempo cobertos por nuvens de moscas nauseabundas e ao alcance de urubus, ratos e formigas que se transformaram nos novos residentes daquelas comunidades, anteriormente tão cheias de animação e de vida.
As casas, abandonadas, achavam-se em ruinas, dando a impressão que estavam habitadas por fantasmas. As portas e janelas, estragadas pela ação do tempo e dos elementos, abriam e fechavam com ruído, obedecendo à vontade do vento.
As igrejas também abandonadas pelos seus padres, por falta de fieis, refletiam, no seu vazio, a intensidade do drama da seca. Os sinos badalavam, tangidos pela aragem, salpicando o ar com sons fúnebres como se estivessem a convidar espectros para a missa.
Rajadas fortes de vento ciscavam as ruelas dos povoados abandonados, levantando nuvens de poeira vermelha.
Vale recordar que esses desvalidos, embora fossem pessoas rudes, sem instrução, atormentadas pelas muitas dificuldades que passavam em busca da sobrevivência, sofrendo fome e sede por vários meses, alimentavam-se por vezes com raízes e cascas de árvore, mostravam-se incapazes de roubar ou de assaltar seus semelhantes, ou sequer matar aqueles animais que cruzassem os seus caminhos, sem o prévio consentimento do seu dono.
Era um povo desgraçado pela miséria, que sofria a perda de seus entes queridos, mas sempre ordeiro, temente a Deus, e capaz de dar exemplos de comportamento cristão a todos os seus semelhantes.
Ainda hoje me arrepio quando em meu pensamento reavivo esse “vídeo-tape” em que desfilam cenas tão horríveis daqueles três anos de seca.
Por tudo isso, EUCLIDES DA CUNHA teve razão, quando asseverou:
“O SERTANEJO É, ANTES DE TUDO, UM FORTE”.

Autor: Edson Almeida Valadares


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