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sábado, 3 de abril de 2010

PÁSCOA: E O COELHO COM ISSO?

Todo ano é a mesma coisa: supermercados abarrotados de pessoas que querem comprar um ovo de Páscoa. Não muda. Entra ano, sai ano é sempre a mesma coisa. Ô povo insatisfeito!
Acho que o consumismo, essa tara por comprar que tem o ser humano remonta aos tempos dos Dinossauros! Deve ter alguma coisa a ver com sobrevivência. As pessoas correm pra comprar como os homens das cavernas corriam atrás de suas presas pra comer!

Isso deve estar ligado a competição: "Quantos ovos eu conseguir comprar, quanto maior o ovo que eu conseguir comprar, mais poderoso serei!" E isso não se limita somente a Páscoa, claro, está presente em todas as data ditas "comemorativas": dia das mães, dia dos pais, dos namorados, natal... Por outro lado acho que essa ânsia em comprar deve ter algo a ver também com a tendência natural do ser humano de ser enganado. De gostar de um engôdo. O porque eu não consigo entender. Acho que nem Jung conseguiria explicar.

Mas voltando à Páscoa, veja só o coelho. O coelho, definitivamente, não é um animal ovíparo! Mesmo assim o comércio da Páscoa apela ao felpudo bichinho para atrair suas "presas".

O simpático engôdo mistura história, gula e fé. A origem da Páscoa remonta aos hebreus, quando significava um ritual de passagem. Na cultura judaica, se comemora liberação e fuga do povo oprimido. Entre os cristãos, desde sempre, a data celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Tudo bem. Mas o que tem a ver o coelho com isso?! Por se muito prolífero o orelhudo animal há muito representa a fertilidade. Na antiguidade, época de elevada mortalidade humana, o nascimento e a esperança de uma vida nova se reverenciava. E o ovo, onde entra?!

Contam-se várias histórias. No início eram decorativos, não para ser comidos. Coloridos, serviam de presentes para comemorar a estação do ano, a vida brotando da casca após o gelado inverno. Ostera, a deusa da fertilidade e do renascimento, na mitologia anglo-saxã, na mitologia nórdica e na mitologia germânica, era simbolizada na primavera e aparecia segurando um ovo na mão, observando um coelho saltitante aos seus pés: fertilidade e renascimento.

Um dia, no século XVIII, os franceses inventaram de fazer ovos de chocolate. A iguaria precisou, séculos antes, da descoberta do cacau na recém descoberta América. Foi Cristóvão Colombo que levou,em 1502, as primeiras sementes de cacua para a Europa, entregando-as ao Rei Fernando II. Foi um sucesso imediato!

Utilizado nas civilizações Maia e Asteca, o "xocoati" era bebida sagrada e medicinal, servindo aos rituais religiosos. Até as sementes de cacau tinham valor para os maias, servindo como moeda. Por exemplo: um zontli equivalia a 400 gramas de sementes de cacau. Enquanto quem tivesse oito mil sementes tinha, na verdade, um xiquipil! Cada coisa, não é?

De origem amazônica, o cacaueiro cresce à sombra, em meio à densa vegetação, formando uma árvore de médio porte. Os frutos, grande e escuros, penduram-se de seus galhos. cada fruto contém em média 50 sementes, cobertas por uma polpa branca. Secas, moídas e torradas, as amêndoas fornecem o delicioso chocolate. Que, na verdade, nesse estágio não chega a ser tão gostoso assim.

A "domesticação" do cacaureiro ocorreu em 1746. Até então, seus frutos se coletavam nas árvores nativas da selva ou em plantios incipientes encontrados nas várzeas. No Brasil, a Bahia se tornou o principal pólo produtor de cacau já na época da Independência (1822). Nascido na floresta amazônica,o cacaueiro adotou a Mata Atlântica como lar.

Na capitânia de Ilhéus o cultivo do cacau embasou, durante mais de um século, um ciclo econômico suntuoso. O poder dos coronéis, a sociedade, primeiro escravocrata, depois liberta, a boemia e o suor da jornada, o contraste da opulência com a miséria, os sonhos e as desilusões dessa rica e desigual sociedade emprestaram o cenário para romances de Jorge Amado, especialmente Gabriela, Cravo e Canela, entre tantos outros.

Os importadores de cacau, porém, reagiram contra o domínio brasileiro. Do solo baiano, a cacauicultura encontrou boa moradia nos trópicos da África e da Ásia. Líder inconteste durante décadas, o Brasil ocupa hoje apenas a quinta posição no ranking cacaueiro. O maior produtor mundial é a Costa do Marfim, seguido por Gana e Indonésia. Quem diria.

A concorrência externa complica a economia da região cacaueira em meados do século passado. O aumento da oferta mundial faz cair os preços, ameaçando a rentabilidade da lavoura. Em 1957 o governo brasileiro cria a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), órgão encarregado da pesquisa e do apoio à produção nacional. A ordem era modernizar o sistema de produção.

O sucesso da intervenção estatal, porém, se mostrou relativo. Nunca é fácil alterar usos e costumes, muito menos na agricultura. A oligarquia cacaueira ainda vivia iludida pela glória do passado. A cultura produtiva tradicional repele as mudanças e freia o progresso. O poder político sobrevive alimentado pelos subsídios públicos.

Assim, amparado pelo Estado, a economia local, mesmo debilitada, vai se mantendo até chegar a globalização e se abrirem as fronteiras da economia mundial. O país começa, pasmem, a importar chocolate. No começo, exporta matéria prima e compra chocolate pronto. Depois, passa a trazer de fora, inclusive, pasta bruta de chocolate.

Foi em 1989 que aconteceu o pior. A doença conhecida como “vassoura de bruxa” entra, criminosamente, no Brasil. O terrível fungo ataca as plantações, se expande nos galhos e seca os ponteiros das árvores. Dizima as lavouras. Os prejuízos foram terríveis.

A produção de amêndoas decresce de 460 mil toneladas, em 1986, para 170 mil toneladas em 2003. Estima-se que 200 mil empregos tenham sido perdidos, com perdas de US$ 1,4 bilhão. Aumenta o empobrecimento regional. A doença vegetal causa uma tragédia econômica.

Há uma década os agrônomos da Embrapa, junto com a Ceplac, desenvolvem novas técnicas de plantio, baseadas em clones vegetais resistentes à vassoura de bruxa. As novas mudas são enxertadas na copa das plantações adultas, que se revigoram. Mas o declínio da produção está patente.

Resultado: um terço do chocolate consumido no país agora vem do estrangeiro. Pois é. Boa parte dos ovos de Páscoa dessa semana santa traz, infelizmente, a marca enrustida do fracasso. Uma ironia da história.

Resta uma boa notícia. Plantado à meia sombra, por debaixo da floresta, o abandono das lavouras de cacau se compensa na regeneração da Mata Atlântica baiana. Ilhéus e, principalmente, Itacaré, tornam-se pólos importantes de recuperação ambiental, favorecendo o ecoturismo.

Os coelhos, que adoram um mato, aprovam. Jorge Amado certamente se impressionaria. E voce? Bom, voce está sendo vítima de mais um engôdo. Do jeitinho que os "homo sapiens" gostam.



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