Páginas

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Vocês não merecem alguém como eu!



Se você vai comprar feijão, significa que tem um problema: está sem feijão. A solução é o mercado. Vá até lá, compre o feijão e problema resolvido. Em momento algum você se pergunta quantas pessoas trabalharam para que aquele feijão chegasse ao mercado. Não interessa se houve problema na colheita ou se alguém trabalhou no fim de semana. Interessa que o feijão esteja na prateleira quando você for ao mercado.

Nosso dia-a-dia é regido por conceito semelhante. Não interessam os contratempos enfrentados, mas apenas que os problemas sejam resolvidos. Assim, o desafio está na criatividade para resolver problemas e o quanto se é proativo para evitar novos.

Por que toco no assunto? Porque tenho visto, não poucas vezes, pessoas sendo afligidas pelo que chamo de Síndrome do Coitadinho. É um mal que parece alastrar-se.

O elogio motiva para que façamos ainda melhor, mas não justifica promoção. É como se gabar de ser honesto. Não há virtude na honestidade, pois ela é obrigação. Virtuoso é quem busca a perfeição, como mostra Percival Puggina em “Até a mediocridade se rarefaz.”.

Até aí, nada de novo. O fato é que o possuidor da Síndrome do Coitadinho sente-se injustiçado quando não é reconhecido. Mas não se esforça para obter reconhecimento. Ainda que diga o contrário, suas atitudes o entregam. Vive reclamando, diz que faz tudo o que lhe pedem, que cumpre os horários, que se dedica, mas as condições são ruins, o prazo é curto e por aí vai. Arruma desculpas para encobrir suas limitações e conformismo. Faz apenas o que está diante dos olhos e até onde o braço alcança.

Se for criticado, o Coitadinho corre para se justificar, mas não assume o erro. Não aceita conselhos, pois, como não vê as próprias falhas, as sugestões são encaradas como complôs e intrigas para derrubá-lo: “Eu faço meu trabalho direito e querem puxar meu tapete”.

O Coitadinho não procura ampliar seus conhecimentos, o que o limita social e profissionalmente, pois não sabe fazer nada além do que está habituado e fica difícil até manter longos diálogos, já que só sabe falar dos mesmos assuntos. Em geral não é má pessoa. Ao contrário, pode ser divertido e brincalhão. E por isso considera fundamental sua permanência num determinado grupo social, educacional ou profissional: “Se não sou eu ali, o lugar vira um túmulo”.

E chega o fatídico dia em que o Coitadinho é forçado a colher aquilo que plantou – ou melhor, o que não plantou. Colocada na balança a proporção custo-benefício de seu desempenho, ele se vê transformado em mais uma estatística. Triste, inconformado e principalmente revoltado, dispara farpas: “Vocês não merecem alguém como eu”, “Dei meu sangue por vocês e essa é a recompensa que recebo”, “Bando de ingratos”, “Eu estava certo, havia um complô pra me derrubar”, etc., etc., etc. Passa tudo pela cabeça do Coitadinho, exceto uma única coisa: “Onde foi que eu errei?”.

Então o Coitadinho arruma novo lugar. Ambiente novo, novas obrigações, novos colegas e uma página em branco para escrever seu futuro pessoal. Mas ele pensa: “Agora sim encontrei quem reconheça meu potencial, aqueles ingratos sentirão minha falta”. E quer saber? Os ‘ingratos’ não sentirão falta nenhuma. No começo, o Coitadinho se vê reconhecido e valorizado, mas não tardará a perceber novas ‘intrigas’. E a história se repetirá.

“A Síndrome do Coitadinho tem cura?” – você perguntará.
Sim! Eu mesmo já sofri desse mal. O único remédio eficaz é passar a assumir a responsabilidade pelos próprios erros e, inclusive, até por erros alheios. Quando perceber que as desilusões são resultado exclusivo de suas ações, o Coitadinho dá o primeiro passo em direção à cura. Tentará, então, recuperar o tempo perdido e reverter o prejuízo. É jornada longa e difícil – dolorosa, até -, mas incrivelmente revigorante e compensadora. Ou então ele pode passar o resto da vida imaginando aqueles grandes feitos e sonhos jamais realizados.


Adaptação do texto de Emílio Calil

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário. Ele é a nossa recompensa.